No começo dos anos 2000, o filósofo francês Gilles Lipovetsky já questionava o impacto da globalização sobre a sociedade contemporânea, chamando este novo estágio de “tempos hipermodernos”. Para ele, a transição da era industrial, ou modernidade, para o mundo globalizado, trouxe ao ser humano uma liberdade de escolha sem precedentes, mas também uma profunda sensação de desorientação. A mudança das identidades organizadas de forma hierárquica e orientadas para objetivos ideais deu lugar a uma sociedade mais horizontal, onde os antigos ideais se pulverizaram e deixaram as pessoas sem rumo definido.
Ao perder os marcos que antes orientavam seu desenvolvimento e ascensão, o ser humano entrou em um estado de constante busca e questionamento, não mais de “como chegar lá”, mas de “para onde devo ir?” E, em meio a essa incerteza, a cultura WOKE* ganhou força. Em um momento em que, segundo Lipovetsky, o indivíduo deveria sentir-se livre, vemos surgir uma nova onda de normatização cultural, com princípios que ditam comportamentos e redefinem valores tradicionais. Mas até que ponto isso reflete liberdade?
A Cultura Disciplinar e o Controle Social.
Essa normatização cultural pode ser entendida também à luz das ideias de Michel Foucault, que estudou a “sociedade disciplinar” e a forma como o controle se manifestava na padronização das condutas. Para Foucault, o sistema disciplinar estruturava-se com o objetivo de vigiar, normatizar e ajustar o comportamento dos indivíduos, eliminando desvios e otimizando a produtividade sob uma ótica que beneficiava o sistema. Vigilância hierárquica, sanções e normas tornaram-se mecanismos para “adestrar” as pessoas, tornando-as “adequadas” aos padrões exigidos.
Nesse contexto, a cultura WOKE, embora motivada por princípios de justiça social e inclusão, também adota práticas normativas que, de certa forma, impõem novos padrões. Assim, surge uma ironia: aquilo que se pretendia uma libertação das normas estabelecidas começa a construir suas próprias regras, reforçando a estrutura disciplinar e controladora que Foucault descreveu.
Cultura WOKE e os Padrões de Consumo.
Essas novas normatizações têm consequências diretas para o comportamento do consumidor e as ações de marketing das organizações. Para muitas empresas, alinhar-se aos valores da cultura WOKE tornou-se uma estratégia importante para captar o interesse de um público que valoriza o engajamento social e a responsabilidade das marcas. Em contrapartida, marcas que adotam práticas que parecem não autênticas ou puramente oportunistas, frequentemente enfrentam o escrutínio e a crítica de seus consumidores, minando a credibilidade que buscam construir.
O fenômeno da cultura WOKE revelou um paradoxo para as marcas: enquanto desejam aderir a essa nova moralidade, enfrentam o desafio de serem vistas como verdadeiras defensoras de causas, e não meras oportunistas. Os consumidores, mais críticos do que nunca, não hesitam em abandonar empresas que percebem como desonestas.
O Caso Toyota: Retorno aos Princípios ou Disputa Ideológica?
Recentemente, a Toyota surpreendeu ao anunciar que estaria revisando sua adesão à cultura WOKE. Esse movimento levanta questões importantes: estaria a Toyota respondendo a uma insatisfação crescente dos consumidores que buscam autenticidade e retorno aos valores tradicionais? Ou essa decisão reflete apenas uma mudança de estratégia para se distanciar de um ambiente ideológico que começa a mostrar sinais de desgaste?
Para o mercado e para os consumidores, o movimento da Toyota aponta uma direção interessante: a possibilidade de as empresas revisarem suas posições com base não apenas nas expectativas sociais e culturais, mas também em valores duradouros que se alinham à sua missão e propósito. No entanto, é importante questionar até que ponto essa escolha está focada em princípios autênticos ou se representa apenas uma nova disputa ideológica.
Reflexões sobre o Futuro do Marketing e o Comportamento do Consumidor.
Diante deste cenário, somos levados a refletir sobre qual é, de fato, o papel das organizações e dos profissionais de marketing em um contexto hipermoderno e polarizado. Estaremos diante de uma nova “terceira via”, onde valores autênticos podem coexistir com uma liberdade real de escolha, sem imposições veladas?
Profissionais de Marketing conscientes sabem que posicionamento e branding exigem uma estratégia sólida e contínua, longe das armadilhas dos modismos efêmeros. O marketing não é uma aventura que se possa conduzir de forma improvisada; é uma construção cuidadosa, que precisa ser constantemente reavaliada e ajustada ao contexto. Mesmo marcas bem-sucedidas podem cometer equívocos, mas é exatamente aí que se revela a orientação ao mercado: empresas com visão de longo prazo buscam reposicionar-se de maneira ágil e natural, antecipando-se aos danos inevitáveis de uma estratégia reativa.
Afinal, no centro de toda estratégia de marketing estão as pessoas, cada vez mais conscientes e exigentes em relação ao comportamento das empresas. Resta saber se o futuro da comunicação e do marketing caminhará para uma autêntica responsabilidade social ou se o ambiente continuará a ser moldado por disputas ideológicas que, no final, têm mais a ver com estratégias de poder do que com o bem-estar da sociedade.
Se sua marca busca um posicionamento verdadeiro e sólido, longe das armadilhas do efêmero, estamos aqui para ajudá-lo. Como especialistas em Posicionamento, Branding e Mentoria Empresarial, colocaremos sua marca no lugar que ela realmente merece estar.
Reinaldo Martinazzo
*WOKE: ‘Acordei’ – significado literal da palavra. Surgiu na comunidade afro-americana e originalmente queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”, mas ganhou definições bem mais amplas, como por exemplo; com quais posturas políticas você mais se identifica?