A comunicação sempre teve poder. Mas nunca foi tão veloz, tão volátil e tão visceral quanto agora. Manuel Castells, sociólogo espanhol e autor da trilogia A Era da Informação, não nomeia as redes sociais como o novo quarto poder – ele vai além: afirma que o poder se exerce, se disputa e se transforma no campo da comunicação.
Em outras palavras, a comunicação não é neutra. Ela é o ambiente simbólico onde se definem relevância, autoridade e legitimidade. O que vemos hoje, porém, é um fenômeno sem precedentes: um descompasso estrutural entre os poderes institucionais e a lógica acelerada das redes digitais.
A comunicação evoluiu como uma força independente, ubíqua e em constante mutação. O quarto poder disparou na frente. Os demais tentam – sem muito sucesso – acompanhá-lo.
Castells e a lógica em rede
Na sociedade em rede descrita por Castells, o poder deixou de ser um ativo concentrado nas instituições e passou a fluir através de redes digitais e sistemas de informação descentralizados. O valor, nesse novo paradigma, reside menos na posse de recursos físicos e mais na capacidade de produzir, distribuir e validar narrativas.
Esse fenômeno se potencializa com o surgimento da autocomunicação de massas: indivíduos agora não apenas consomem conteúdos, mas os produzem, compartilham e amplificam – em escala global. O que antes exigia intermediação da mídia, partidos ou instituições, agora está acessível a qualquer cidadão com um smartphone e senso de oportunidade.
As disputas de poder hoje não acontecem apenas no plenário ou no tribunal, mas no feed, na thread e no comentário.
O descompasso do poder: quando a comunicação corre mais que a governança
A comunicação digital inaugurou uma dinâmica de velocidade que redesenha as relações entre sociedade e poder. Ela não solicita autorização: viraliza, mobiliza e repercute antes que os protocolos institucionais tenham tempo de reagir.
Os poderes tradicionais, por sua própria natureza, operam com cadência mais lenta – sustentada por normas, ritos e salvaguardas que visam estabilidade e legitimidade. No entanto, esse ritmo que deveria proteger o sistema pode torná-lo vulnerável diante de uma sociedade habituada à instantaneidade.
E quando essas instituições tentam reagir na mesma velocidade da comunicação digital, frequentemente se veem seduzidas por soluções precipitadas, retóricas simplificadas ou posicionamentos impulsivos, comprometendo a profundidade e a coerência de suas decisões.
A comunicação não espera. E o risco não está apenas na lentidão institucional, mas na tentativa de imitar a velocidade das redes sem compreender sua lógica e complexidade.
Marketing e Branding na era do poder simbólico
Para o marketing, a lição é clara: não se trata apenas de presença, mas de posicionamento simbólico.
As marcas não podem mais se abrigar apenas em campanhas tradicionais ou na estética publicitária. Em um ambiente onde reputações são construídas e desfeitas em tempo real, o branding precisa ser expressão autêntica de propósito, coerência e escuta.
Vivemos a era do capitalismo da atenção e da emoção. A construção de valor passa por significados, por vivências percebidas e por conexões empáticas. Nesse cenário:
- A reputação é fluida e exposta;
- A coerência entre discurso e atitude é condição de sobrevivência;
- O silêncio pode ser interpretado como omissão; e
- A exposição mal gerida pode ser fatal.
Não basta comunicar. É preciso saber o que, como, por que e com quem se comunica.
Marcas que compreendem essa nova “geografia do poder simbólico” saem na frente — não por gritarem mais alto, mas por conectarem com mais verdade.
O que Castells quis dizer com “o poder se exerce, se disputa e se transforma na comunicação”?
O sociólogo Manuel Castells nos alerta que a comunicação não é apenas um meio onde o poder se manifesta – ela é o próprio terreno onde o poder é construído, contestado e redefinido.
O que isso significa na prática?
- Exerce-se o poder quando alguém consegue impor uma narrativa dominante, moldando percepções e influências;
- Disputa-se o poder porque múltiplas vozes, sentidos e versões da realidade coexistem e competem por atenção; e
- Transforma-se o poder porque novas narrativas podem desestabilizar antigas estruturas e reconfigurar consensos sociais.
Com as redes sociais, esse campo comunicacional se tornou mais ágil, descentralizado e participativo. Por isso, quem compreende essa lógica não apenas comunica – posiciona-se estrategicamente no jogo do poder simbólico.
E o que isso tem a ver com marketing e branding?
Tudo.
Marcas não disputam apenas mercado – disputam sentidos.
E o branding hoje é, acima de tudo, uma construção simbólica em um ambiente de fluxos, emoções e interpretações múltiplas.
Entre a aceleração e o compromisso
Manuel Castells foi preciso: o poder hoje se manifesta na comunicação.
Mas a forma como esse poder é usado – e por quem – define os rumos da sociedade e a permanência das marcas.
Se o quarto poder corre em alta velocidade, cabe às instituições, aos profissionais e às marcas cultivar uma consciência estratégica do tempo, da linguagem e da conexão emocional com seus públicos.
Porque na sociedade em rede, não sobrevive quem comunica mais, mas quem comunica com verdade e significado.
Reinaldo Martinazzo