A primeira vez que vi a marca BYD, confesso que ela me chamou atenção mais pelo que sugeria do que pelo que mostrava: Build Your Dreams. Três palavras que formam uma assinatura poderosa, com sonoridade instigante até mesmo em português. De cara, entendi: não era apenas uma marca — era um conceito. E conceitos são sempre mais potentes do que nomes.
Ao longo da minha trajetória com branding, sempre defendi que marcas deveriam nascer de dentro para fora — de uma ideia estruturante, de uma verdade inspiradora, da alma da organização. Antes da escolha da paleta de cores ou do desenho do logotipo, é preciso compreender o que a marca deseja provocar no mundo. E BYD, pelo menos no discurso, faz isso com maestria.
Mas há um paradoxo incômodo que não pode ser ignorado. Enquanto o nome convida a sonhar, as práticas corporativas da empresa, relatadas pela imprensa, colocam a coerência em xeque.
Uma Marca Que Quebra Regras — e Paradigmas
BYD desafia os manuais tradicionais da propaganda. Seu nome é, sim, de pronúncia inicial pouco familiar. Mas a combinação das três palavras é potente o suficiente para se firmar na mente do consumidor. Não é apenas um nome curto e fácil, como ensinam os antigos gurus do marketing — é um statement. Uma promessa emocional.
E mais: num país como o Brasil, onde o preço do combustível é instável, os custos de manutenção são altos e a mobilidade urbana está em xeque, a proposta da BYD ganha tração. Ainda que os carros elétricos levantem dúvidas sobre revenda, rede de abastecimento e assistência técnica, o consumidor parece disposto a pagar para ver. Afinal, estamos falando de sonho. E sonhos têm preço.
A Força do Branding Quando Falta Coerência
Aqui entra a tensão que precisa ser debatida com seriedade: o branding pode funcionar mesmo quando a prática da empresa não acompanha o discurso?
Há relatos consistentes sobre a gestão pouco humanizada de seus recursos humanos, além da prática agressiva de precificação que pode ser associada ao dumping. Some-se a isso um discurso de sustentabilidade que, apesar de sedutor, carece de total transparência e gera dúvidas legítimas sobre seu real compromisso ambiental.
Greenwashing e o Silêncio Conveniente sobre as Baterias
Muito se fala sobre o futuro limpo e sustentável promovido pelos carros elétricos. Mas pouco se fala sobre como esse futuro está sendo fabricado.
Não é possível abordar com honestidade o crescimento das montadoras elétricas sem mencionar os impactos da cadeia produtiva envolvida na fabricação de baterias de lítio, cobalto, níquel, além dos demais componentes eletrônicos que os equipam. A extração desses minerais muitas vezes está associada à degradação ambiental, uso intensivo de recursos naturais e condições de trabalho pouco éticas.
Além disso, o descarte das baterias é um tema incômodo que ainda não encontrou soluções sustentáveis em escala. Ao que se sabe, a maior parte das empresas não possui políticas transparentes e eficazes de compensação ambiental ou logística reversa.
Para completar esse cenário contraditório, é importante lembrar que a energia que abastece esses veículos, dita “limpa”, muitas vezes vem de usinas termelétricas movidas a carvão ou gás natural — fontes altamente poluentes. Em outras palavras, trocar o escapamento pela tomada não resolve o problema se a fonte energética continua suja.
Falar em sustentabilidade nesses termos — com recortes convenientes da realidade — pode ser considerado um caso clássico de greenwashing: promover uma imagem ecológica enquanto práticas fundamentais da cadeia produtiva permanecem incompatíveis com o discurso.
A Estética do Sonho Versus a Lógica da Entrega
BYD mostra como a estética do sonho pode ser mais sedutora do que a lógica da entrega. Seu sucesso inicial revela algo desconfortável: o consumidor continua priorizando preço, status e novidade, mesmo quando há ruído entre o discurso e a prática da empresa.
Esse fenômeno não é novo. Marcas como Apple, Tesla e até Shein já foram acusadas de discursos descolados da realidade operacional. E ainda assim, continuam a conquistar corações e carteiras. Estamos, talvez, diante de uma nova era do consumo, em que o propósito não precisa ser verdadeiro — basta parecer verdadeiro.
Reflexões Para Quem Constrói Marcas
BYD nos convida a uma provocação importante:
É possível criar marcas arrebatadoras mesmo quando a cultura organizacional e a entrega de valor são frágeis?
E mais: o branding tem limites éticos ou é apenas uma ferramenta para gerar desejo?
Como profissionais de marketing, não podemos nos encantar apenas com o brilho da embalagem. É nosso dever questionar, investigar e buscar coerência. Afinal, marcas não devem apenas parecer incríveis — devem ser incríveis.
Quando o Sonho Encontra os Limites da Realidade
BYD talvez seja o exemplo mais recente — e mais emblemático — de como uma marca pode vencer pelo conceito, mesmo tropeçando na prática.
Mas o tempo é implacável. E o consumidor, cada vez mais informado, já começa a fazer perguntas que antes ignorava.
No fim das contas, build your dreams é um belo convite. Mas sonhos, para se sustentarem, precisam de fundamentos sólidos — e éticos.
E Você, o Que Pensa?
Este é um tema que desperta mais perguntas do que respostas — e talvez isso seja o mais rico nele.
Quero muito saber como você enxerga esse paradoxo entre propósito e prática.
Você acredita que marcas como a BYD resistirão no tempo mesmo com incoerências?
Deixe sua opinião nos comentários e vamos ampliar esse debate.