Em um mundo corporativo onde muitas empresas lutam para sobreviver à primeira sucessão familiar, a Beretta é uma exceção que fascina. Fundada em 1526 por Bartolomeo Beretta, a mais antiga fabricante de armas de fogo em operação contínua do planeta segue firme após quase meio milênio. Mais do que isso: continua relevante, inovadora e global. O segredo? Uma combinação incomum de tradição, critérios técnicos rigorosos e uma rara visão de marketing que antecipa o tempo sem trair suas raízes.
Herança não é privilégio — é responsabilidade
Ao longo de 15 gerações, a família Beretta manteve o controle da empresa, mas jamais confundiu herança com direito automático ao poder. Na Beretta, a liderança é conquistada, não concedida por sobrenome. Cada geração prepara seus descendentes com formação técnica, vivência internacional e testes de gestão real, mas apenas quem demonstra competência, preparo e visão assume os postos-chave.
Pietro Gussalli Beretta, atual CEO da Beretta Holding, é o reflexo desse modelo: engenheiro, gestor e estrategista, representa a síntese entre tradição e meritocracia. A longevidade da empresa não está apenas em sua linha de produção — está, sobretudo, em sua capacidade de formar líderes à altura da responsabilidade histórica que carregam.
Uma visão de marketing digna de Hollywood
Em tempos de grandes transformações no consumo e na cultura, a Beretta soube enxergar oportunidades além do seu setor. Nos anos dourados das produções de bang-bang e dos filmes de ação de Hollywood, a marca entendeu que o produto não bastava ser funcional — ele precisava ser esteticamente impactante.
A pistola Beretta 92 se tornou um ícone do cinema mundial, figurando em filmes como Duro de Matar e Máquina Mortífera. A beleza plástica das armas, aliada à precisão técnica, fez da Beretta não apenas uma fabricante, mas uma referência cultural. Enquanto concorrentes investiam apenas em performance, a Beretta investia em percepção — e ganhou o mundo.
Essa inserção estratégica no imaginário coletivo fortaleceu a marca entre civis, militares e amantes do design — um caso clássico de branding emocional e posicionamento visual em um setor tradicionalmente conservador.
Internacionalização com mira afiada
Mas a história da Beretta vai além do charme das telas. A criação da Beretta Holding marcou o início de uma nova fase: a expansão estratégica por meio de aquisições. A compra da RWS e da Ammotec — duas das maiores fabricantes de munições da Europa — mostra uma mentalidade que vai além do produto: a Beretta controla cada elo da cadeia de valor, garantindo qualidade, autonomia e rentabilidade.
A diversificação para áreas como roupas, acessórios e ópticas é outro exemplo de consistência estratégica. A marca não perdeu sua essência; apenas a vestiu com novos formatos.
Lições para quem pretende durar
A trajetória da Beretta ensina que longevidade não é uma questão de sorte, mas de escolhas lúcidas. A combinação de tradição com critérios técnicos, somada à ousadia de se posicionar em campos simbólicos como o cinema, moldou uma empresa que não apenas sobreviveu — mas se impôs como referência.
Muitos negócios familiares fracassam por não saberem lidar com a sucessão. Outros desaparecem por não perceberem que tradição sem inovação é só um monumento ao passado. A Beretta é a prova de que é possível honrar a herança e, ao mesmo tempo, moldar o futuro — desde que a liderança esteja nas mãos certas.
E se o seu negócio vivesse 500 anos?
Se a sua empresa fosse passar de geração em geração, quais critérios você usaria para escolher seu sucessor? Estaria preocupado com a continuidade da cultura ou com a perpetuação do poder? Estaria investindo em legado ou apenas mantendo o status?
A Beretta nos mostra que o futuro pode, sim, ser herdado — mas só quando os herdeiros estão prontos para liderá-lo.
E essa prontidão não nasce do acaso, mas de um processo contínuo de aprendizado e autoconhecimento. É aqui que entra a mentoria: a ponte entre a experiência que se viveu e o futuro que se quer construir.
Assim como a Beretta forma sucessores com base em mérito, valores e visão, toda organização que deseja longevidade precisa investir na formação de líderes conscientes — capazes de honrar o passado, compreender o presente e projetar o amanhã com lucidez.
Legado não é herança de cargos, é herança de consciência. E é isso que a verdadeira mentoria ensina.
Reinaldo Martinazzo