O Stalker fora das redes, dentro das empresas
Nos ambientes digitais, o termo stalker ganhou popularidade para designar aquele que persegue, vigia e invade a privacidade de outra pessoa de forma obsessiva. Mas o que poucos percebem é que, muito além das redes sociais, o comportamento de um stalker também se manifesta — de maneira silenciosa, corrosiva e institucionalizada — dentro das empresas.
Sim, existem líderes que se comportam como verdadeiros stalkers corporativos. São figuras que, ao invés de desenvolver talentos, os monitoram excessivamente, os limitam, os boicotam e, em muitos casos, sabotam suas oportunidades de evolução dentro da própria organização. A obsessão, nesse caso, não é romântica — é hierárquica. É o medo de perder o controle, de ver o outro crescer, brilhar, superar.
Esses líderes fazem da vigilância uma rotina, da obstrução um método, e da retenção forçada um ato de dominação. Suas atitudes estão longe de ser exceções: são sintomas de uma cultura organizacional adoecida, onde o poder é confundido com posse e a liderança com aprisionamento.
Quando o líder sabota o crescimento do próprio liderado
Em muitas empresas, ainda se perpetua o mito do líder centralizador, aquele que “segura as pontas”, que tudo resolve, que tudo decide. Mas por trás dessa fachada de competência, muitas vezes esconde-se um perfil inseguro, narcisista e controlador, que transforma a gestão de pessoas em um jogo de poder.
O stalker corporativo age de forma discreta, mas sistemática:
- Impede que seus subordinados sejam convidados para projetos estratégicos.
- Omite elogios e reconhecimentos que poderiam dar visibilidade ao colaborador.
- Dificulta transferências para outras áreas com discursos do tipo: “Você é essencial aqui.”
- Alimenta rumores ou insinuações que comprometem a imagem de quem ousa buscar novos caminhos.
Tudo isso travestido de zelo, estratégia ou “preocupação com a equipe”. Mas, na verdade, trata-se de um boicote à autonomia, à autoestima e ao potencial do outro.
Para o profissional vítima desse cerco, os impactos são profundos: frustração, desmotivação, perda de confiança, sensação de estagnação e, muitas vezes, adoecimento emocional. Para a empresa, o prejuízo é duplo: perde-se talento e perpetua-se uma cultura tóxica de contenção e silêncio.
Os “fetiches organizacionais”: controle, obediência e lealdade cega
Em ambientes onde a liderança tóxica prospera, é comum encontrar o que chamamos de “fetiches organizacionais” — comportamentos obsessivos e irracionais que são confundidos com boas práticas de gestão, mas que, na verdade, revelam um culto à hierarquia, à dominação e à obediência.
Esses fetiches moldam uma cultura onde a lealdade vale mais que a competência, a obediência mais que a criatividade, e a permanência na “zona de conforto” mais que o crescimento.
Entre os mais frequentes, destacam-se:
- O fetiche da retenção: Manter o talento preso à área, mesmo que a empresa toda pudesse se beneficiar de sua mobilidade.
- O fetiche da visibilidade seletiva: Apenas o líder decide quem pode ser visto e reconhecido, criando uma espécie de “feudo da performance”.
- O fetiche da fidelidade incondicional: Qualquer desejo de migrar, evoluir ou explorar novos horizontes é tratado como traição.
Esses comportamentos não apenas minam a meritocracia e a inovação, como também geram ambientes de medo, passividade e conformismo. Um colaborador que teme ser punido por querer crescer jamais entregará seu melhor. E uma empresa que silencia talentos compromete seu futuro.
Como romper o ciclo do assédio disfarçado de liderança
Enfrentar o stalker corporativo exige coragem institucional e, sobretudo, a reconstrução de uma cultura organizacional que valorize o desenvolvimento de pessoas como um pilar estratégico — e não como ameaça à estabilidade dos cargos de chefia.
Algumas ações práticas podem (e devem) ser implementadas:
- Planos de mobilidade interna com critérios claros e transparentes. A movimentação entre áreas precisa ser incentivada e reconhecida como sinal de maturidade organizacional.
- Formação de líderes conscientes, maduros e emocionalmente preparados. Bons líderes formam sucessores, não reféns.
- Sistema de feedback 360° e canais seguros de denúncia. Quando o profissional não encontra voz dentro da empresa, ele tende a buscar saída fora dela.
- Adoção de métricas que valorizem o crescimento da equipe, e não apenas o desempenho individual. A liderança deve ser avaliada também pela sua capacidade de formar e desenvolver talentos.
O RH tem papel central nesse processo, atuando como guardião da cultura, mas precisa de respaldo da alta liderança para que essas transformações não fiquem no papel. Afinal, o assédio moral disfarçado de “gestão firme” não pode mais ser tolerado.
Quantos talentos sua empresa já enterrou?
Em mais de quatro décadas de atuação, conheci inúmeros profissionais brilhantes que me disseram frases como:
“Só fui reconhecido quando mudei de empresa.”
“Tive que sair para conseguir crescer.”
“Na antiga empresa, meu líder dizia que eu ainda não estava pronto — hoje sou diretor de uma multinacional.”
Esses depoimentos se repetem porque, infelizmente, a perseguição ao talento ainda é uma realidade silenciosa nas corporações. Ela não aparece nos relatórios de desempenho, mas está estampada na frustração de carreiras interrompidas, sonhos sufocados e potenciais enterrados.
Por isso, deixo aqui uma provocação final:
Quantos talentos sua empresa já enterrou por medo da luz que eles emitiam?
Quantas carreiras foram boicotadas em nome de “fetiches organizacionais” e lideranças despreparadas?
É hora de romper com esse ciclo. Porque o verdadeiro líder não tem medo do crescimento alheio — ele o provoca, o celebra e o impulsiona.