Você já parou para pensar no quanto as redes sociais se tornaram um palco onde confundimos visibilidade com autoridade, número de seguidores com credibilidade, e curtidas com reputação?
O cenário é recorrente: jovens profissionais com perfis pessoais bastante ativos, milhares de seguidores, engajamento constante e uma presença digital vibrante. Até que, em algum ponto da jornada, surge uma necessidade silenciosa — porém inevitável: a de ser levado a sério.
É aí que começa uma travessia desconfortável — não por ser difícil, mas porque muitos resistem conscientemente a fazê-la. Abandonar (ou ao menos silenciar) um perfil onde já se consolidou uma audiência fiel parece uma renúncia grande demais. Como começar quase do zero, agora com outro propósito: posicionar-se como profissional, construir autoridade e gerar valor real?
A Dor do Desapego e o Apego à Métrica Errada
O que trava muitos profissionais é o apego ao número de seguidores. Quantos deixam de dar o passo certo por medo de perder o aplauso fácil? A conta parece não fechar: “Tenho 10 mil seguidores, como posso abrir mão disso?”. A resposta é simples — e incômoda: se esses 10 mil não representam seu público-alvo, você não está perdendo nada. Está apenas se distraindo.
A ilusão da influência é sedutora. Mas ser popular é diferente de ser relevante. Ser visto é fácil — ser reconhecido é raro. E, na construção de uma carreira sólida, é o reconhecimento que sustenta a reputação no longo prazo.
Entre a Vitrine e o Espelho: A Imagem que Reflete ou Ilude
Não se trata de apagar quem você é, mas de alinhar quem você quer ser com o que comunica. O profissional que não cuida da própria imagem nas redes está deixando que o acaso — ou pior, o algoritmo — cuide por ele. Isso tem um custo.
A superexposição de aspectos pessoais pode gerar ruídos, confusão de imagem e, muitas vezes, uma percepção de fragilidade ética ou emocional. E quando falamos da imagem profissional, especialmente em áreas reguladas por conselhos de classe — como medicina, odontologia, psicologia, direito e outras —, é imprescindível que toda comunicação obedeça rigorosamente às normas e resoluções vigentes. O marketing profissional só é eficaz quando caminha ao lado da ética.
O Paradoxo Geracional: Entre o Apego e a Carência
Em uma palestra recente, vivenciei esse paradoxo. De um lado, jovens médicos com grande presença digital, mas resistência em profissionalizar seus perfis. De outro, médicos experientes, com décadas de atuação, olhando com certo incômodo para os números dos mais jovens — como se seguidor fosse sinônimo de sucesso.
Ambos sofrem da mesma carência: um busca autoridade e o outro busca atenção. Essa tensão revela que o problema não é etário — é estratégico.
A Resistência à Mudança: Natural, Mas Prejudicial
Mudar dói. Abrir mão do conforto de um personagem construído nas redes pessoais exige coragem. Mas é um movimento necessário para quem deseja que seu nome se torne referência — e não apenas lembrança.
A resistência que muitos têm em dar esse passo se baseia em um equívoco: o de que profissionalizar a presença digital significa se desumanizar. Nada mais equivocado. Profissionalizar é, antes de tudo, escolher o que mostrar, como mostrar e por quê. É comunicar com intenção, não por impulso.
Encontrando o Equilíbrio Possível
Não se trata de sumir do lado pessoal, mas de dar mais protagonismo ao que constrói sua autoridade. Traços da personalidade são bem-vindos — quando usados com discernimento. Humor, sensibilidade, bastidores da vida real… tudo isso pode agregar humanidade à sua imagem profissional, desde que não sufoque sua proposta de valor.
Separar o perfil pessoal do profissional pode ser uma estratégia eficaz. Ou, em alguns casos, transformar o perfil atual em um canal híbrido, com curadoria rigorosa. O importante é que sua presença digital deixe claro que você sabe o que está fazendo — e por que está ali.
Além disso, consultar as diretrizes do seu conselho de classe deve ser um dos primeiros passos nessa transição. O que pode parecer um simples post pode, inadvertidamente, ferir regras, gerar advertências e comprometer sua reputação. A responsabilidade ética e institucional precisa andar junto com a presença digital.
Fechando com uma Pergunta Inconveniente (e Necessária)
Você está alimentando sua imagem profissional ou apenas reforçando o personagem que o algoritmo aprovou?
No fim, não é sobre abandonar quem você é — é sobre assumir com responsabilidade quem você quer se tornar. O reconhecimento digital não nasce da vaidade, mas da relevância. E isso só acontece quando fazemos das redes uma ponte entre o valor que entregamos e o impacto que queremos causar.
Reinaldo Martinazzo