Picture of Reinaldo Martinazzo

Reinaldo Martinazzo

A “Janela de Overton” nas Empresas: Como Narrativas Destroem ou Transformam Culturas.

Quando a Cultura Vira Refém da Narrativa.

A Janela de Overton, conceito oriundo da ciência política, descreve o intervalo de ideias socialmente aceitáveis em determinado momento. Ela delimita o que é considerado razoável, discutível e viável — e o que é, por outro lado, impensável, inaceitável ou radical.

Essa janela não é fixa. Ela se move conforme as transformações culturais, sociais e econômicas, redefinindo o que pode ou não ser defendido publicamente.

O que poucos percebem é que esse conceito não está restrito ao universo político. No ambiente corporativo, a Janela de Overton se manifesta de maneira poderosa — e, muitas vezes, silenciosa. Ela define os limites do discurso aceitável dentro das organizações: aquilo que pode ser dito, debatido, questionado ou transformado. Mais que isso, ela molda o que é possível ser feito em termos de gestão, cultura e estratégia.

O ponto crítico — e talvez perigoso — é que esse mecanismo tem sido usado por alguns líderes e consultores não como ferramenta de transformação responsável, mas como atalho para desconstruir culturas, destruir legados e fabricar novas narrativas organizacionais, muitas vezes desconectadas da essência da empresa.

Quando a cultura se torna refém de uma narrativa forçada, o risco não é apenas uma transformação mal conduzida. O risco é a erosão da identidade, do pertencimento, da reputação e, em última instância, da própria sustentabilidade do negócio.

O Que é a Janela de Overton?

A Janela de Overton foi formulada pelo pesquisador americano Joseph P. Overton, que identificou que as ideias consideradas aceitáveis pela sociedade variam dentro de um espectro, dividido em seis níveis:

  1. Impensável
  2. Radical
  3. Aceitável
  4. Sensato
  5. Popular
  6. Política Pública

Ideias podem transitar nesse espectro conforme o tempo, os acontecimentos e, sobretudo, as narrativas que moldam a opinião pública.

O que era visto como absurdo ontem, hoje pode ser defendido como necessário. E, inversamente, o que era senso comum pode se tornar inaceitável.

A Janela de Overton, portanto, é a moldura que delimita os contornos do que pode ou não ser discutido, aceito e implementado.

A Janela de Overton Aplicada às Organizações

Se aplicarmos essa lógica ao ambiente empresarial, percebemos que também existem, dentro das empresas, temas, práticas e discursos que circulam entre esses mesmos níveis:

  • Há ideias vistas como impensáveis, que sequer são colocadas na mesa.
  • Outras, como radicais, geram desconforto.
  • Algumas tornam-se aceitáveis, entram no debate.
  • Evoluem para sensatas, ganham adesão.
  • Tornam-se populares, quase obrigatórias.
  • Até que se consolidam como política interna, práticas formais e inquestionáveis.

Esse movimento é natural nas organizações. Porém, o alerta reside quando esse processo é conduzido de forma artificial, forçada ou manipuladora.

Imagine uma empresa cuja cultura sempre foi conservadora, orientada à estabilidade, ao controle e à hierarquia. De repente, novos executivos chegam propondo “inovação disruptiva”, “flexibilidade extrema”, “modelo ágil”, “propósito ESG” — sem que haja uma ponte consistente entre o passado e o futuro.

Não se trata de negar a evolução. O problema surge quando se tenta destruir o que existe como estratégia para construir algo novo, sem alinhamento, sem preparação, sem respeito pela identidade construída.

Quando a Mudança Vira Manipulação

É nesse ponto que a Janela de Overton se torna uma ferramenta — consciente ou inconsciente — de manipulação organizacional.

O ciclo geralmente segue este roteiro:

  1. Desqualificar o Passado:
    “Essa cultura é ultrapassada”, “isso não cabe mais no mundo atual”, “se não mudarmos, estamos mortos.”
  2. Criar uma Crise Narrativa:
    A cultura atual passa a ser vista como um problema a ser combatido, não como um ativo a ser evoluído.
  3. Introduzir um Novo Discurso:
    Implanta-se uma nova narrativa que muitas vezes é incoerente com a história, o DNA e os valores que sustentaram a organização até então.
  4. Pressionar pela Adoção:
    Programas de mudança são impostos de cima para baixo. Quem resiste é visto como “problema”, “antiquado”, “resistente à mudança.”
  5. Resultado:
    Colapso da identidade, desengajamento, perda de talentos, erosão da reputação, conflitos internos e, em casos extremos, até a destruição da marca.

O Preço da Incongruência

Empresas que tentam deslocar sua Janela de Overton sem responsabilidade, atropelando seus pilares culturais, colhem uma série de efeitos colaterais:

  • Desconexão Interna:
    Colaboradores não se reconhecem mais na organização. Sentem-se órfãos de significado.
  • Cinismo e Desconfiança:
    Quando o discurso não se alinha às práticas, nasce o cinismo organizacional. “Aqui, todo mundo finge que acredita.”
  • Perda de Talentos:
    Profissionais que valorizam a coerência deixam a empresa. Ficam os que aceitam o jogo político, não necessariamente os mais competentes.
  • Erosão da Marca:
    Clientes percebem a dissonância entre o que a empresa diz e o que efetivamente faz.
  • Colapso de Performance:
    A desorientação cultural leva à queda de produtividade, inovação, engajamento e, consequentemente, dos resultados.

Como Mudar com Responsabilidade (Sem Destruir a Cultura)

Sim, mudar é necessário. Mas existem caminhos éticos, responsáveis e inteligentes para isso. O processo não começa pela destruição, mas pela ressignificação.

Os princípios de uma transformação cultural saudável:

  1. Diagnosticar Antes de Prescrever:
    Entender profundamente o que da cultura deve ser preservado, atualizado ou, de fato, transformado.
  2. Construir Pontes, Não Rupturas:
    O novo precisa dialogar com o legado. A transformação começa no respeito ao que trouxe a empresa até aqui.
  3. Narrativas Verdadeiras:
    Comunicar mudanças de forma honesta, sem criar falsas urgências ou demonizar o passado.
  4. Engajamento Real:
    Envolver todos os níveis da organização no debate, na construção e na validação do novo caminho.
  5. Alinhamento entre Cultura, Estratégia e Propósito:
    O discurso externo precisa refletir uma prática interna coerente. Branding não é cosmética — é cultura traduzida em reputação.
  6. Gestão da Mudança Estruturada:
    Ferramentas, metodologias e acompanhamento constante. Não se muda cultura apenas com slogans ou eventos.

O Poder e o Perigo das Narrativas

Narrativas são poderosas. Elas constroem realidades. Elas moldam percepções. Elas definem o que é aceitável, desejável, possível.

No mundo corporativo, a Janela de Overton se move, sim. Mas o papel dos líderes não é empurrá-la ao sabor de modismos ou da vaidade de “deixar sua marca.” É, antes de tudo, compreender que cultura, reputação e propósito são ativos inegociáveis.

Deslocar a janela exige responsabilidade, verdade, método e, acima de tudo, respeito pela história, pelas pessoas e pelos fundamentos que sustentam a organização.

Porque, no final das contas, quem manipula uma narrativa para desconstruir uma cultura, corre o risco de desconstruir também o próprio futuro da empresa.

Reinaldo Martinazzo

Depois de mais de 40 anos atuando com estratégia de marketing e 22 anos como professor, posso afirmar: construir uma imagem profissional coerente nas redes sociais não é luxo, é necessidade. Este artigo reúne 7 passos essenciais para médicos, advogados, engenheiros, psicólogos e tantos outros profissionais liberais iniciarem – ou ajustarem – sua jornada digital com ética, clareza e propósito. Não se trata apenas de “estar nas redes”, mas de posicionar-se de forma estratégica, respeitando as regras do seu conselho de classe e projetando uma reputação que inspire confiança. Se este tema não é urgente para você, pode ser vital para alguém próximo. Compartilhe. Esta atitude pode transformar o começo de muitas carreiras.
Em tempos de comunicação instantânea, ‘viralização’ e excesso de vozes, o marketing perdeu suas âncoras? Inspirado nas ideias do sociólogo Zygmunt Bauman sobre a "modernidade líquida", este artigo reflete sobre os impactos dessa fluidez nas marcas, nas redes sociais e na forma como as empresas constroem (ou desmontam) suas narrativas. Um convite à reflexão: como comunicar com alma e coerência num mundo em que tudo escorre pelos dedos?
Quando Jan Carlzon transformou a SAS, ensinou que cada contato com o cliente é uma Hora da Verdade — um instante único para encantar, fidelizar e fortalecer a cultura organizacional. Hoje, em meio a tanta tecnologia e processos automatizados, essa lição continua atual: só líderes visionários, com equipes preparadas e propósito claro, conseguem transformar momentos simples em experiências memoráveis.
Você pode pagar por uma hora do meu tempo, mas não pode comprar a minha alma. No mundo dos serviços, a diferença entre ser lembrado ou esquecido está naquilo que vai além do relógio: presença plena, atenção genuína e entrega com verdade. Em tempos de atendimento automatizado e relações padronizadas, o maior diferencial é manter vivo o que só o humano pode oferecer.
plugins premium WordPress